Nem tudo que reluz é ouro. As aparências, especialmente aquelas que aparecem no feed e stories do Instagram e do Facebook, podem enganar quem vê. Foi sobre o “menos glamour e mais suor” do empreendedorismo que três especialistas no tema começaram suas falas em transmissão ao vivo no LinkedIn durante o Expert XP, evento organizado pela XP. O tema da palestra? Empoderamento: o avanço das mulheres na liderança de pequenas e médias empresas é um modelo a ser seguido.
“Tem muita glamourização no empreendedorismo. Por trás de qualquer reconhecimento, matéria de jornal, capa de revista e convite para evento tem um trabalho surreal. Esse reconhecimento é consequência de um trabalho bem feito”, resume Amanda Graciano, economista com ampla experiência em inovação e novas tecnologias.
O suor e dedicação também vem acompanhado de erros que, segundo Ana Fontes, presidente do Instituto Rede Mulher Empreendedora, deveriam ser melhor explorados, inclusive nas redes sociais e mídia, para que outras mulheres possam aprender também com as falhas.
“Redes sociais mostram só o lado bonito do empreendedorismo, o lado do negócio que deu ou está dando certo, mas é importante falarmos das coisas que não deram certo. Empreender não é algo tranquilo, que dá tudo certo e nem todo mundo vai virar unicórnio [startups que valem US$ 1 bilhão]”, alerta.
Apesar do tom “realista” e até um pouco desanimador, Ana e Amanda não estavam querendo desanimar ninguém. Pelo contrário, acreditam que é preciso desmistificar o que é o empreendedorismo até para mostrar que ele não é tão inatingível, é bem mais acessível e não precisa, necessariamente, envolver alto nível tecnológico ou escalar em nível mundial.
Para elas, a noção de sucesso é algo muito pessoal e, apesar da busca pela inovação, pela aplicação de tecnologia ser bem-vinda para o negócio, isso não quer dizer que todas as empreendedoras devam fazer isso. “Tenho empreendedoras que fazem bolo em casa e está ótimo; não querem abrir uma fábrica e vender no Brasil todo, estão felizes do jeito que está”, diz Ana.
Andreza Rocha, CEO do Afrotech, trouxe à discussão a importância da representatividade e dos modelos de empreendedoras “bem-sucedidas”. “Uma dica valiosa é ter referências reais de empreendedorismo. Meu ideal nunca foi ter uma startup no Vale do Silício; não é meu ideal de processo e nem de ferramenta”, diz, ao contar sobre a admiração que tem por Maitê Lourenço, fundadora do BlackRocks Startups, que incentiva empreendedores negros a acessarem o ecossistema de inovação, tecnologia e startup.
Escolher suas inspirações pode ajudar, na opinião de Andreza, a ter uma melhor noção sobre o que é empreender, os desafios e as oportunidades. Também pode contribuir para diminuir a sensação de incapacidade ou até de “síndrome da impostora” (sentimento de fraude), que é comum entre mulheres.
O Brasil tem a 7ª maior proporção de mulheres entre os empreendedores iniciais e responsáveis por 34% dos empreendimentos criados no Brasil em 2018, segundo estudo do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) feito em 49 países.
A proporção de negócios por necessidade é maior no grupo das mulheres: 44% contra 32% dos homens, de acordo com a mesma pesquisa. Na média nacional, as mulheres são "donas do negócio" em apenas 34% das empresas.
Um dos principais gargalos hoje para as mulheres que querem empreender ou expandir seu negócio é acessar crédito.
“Nos 10 anos que trabalho com mulheres empreendedoras, algumas coisas melhoraram – vejo, por exemplo, mais mulheres no ambiente de negócios, em eventos corporativos e fazendo 'networking' -, mas o que precisa melhorar é acesso a crédito e não apenas empréstimo, mas investimento-anjo e de fundos de 'private equity e venture capital'”, explica Ana.
Para ela, a dificuldade da mulher conseguir dinheiro e financiamento ainda prejudica a ascensão delas, especialmente em negócios digitais, startups, o que, por sua vez, limita também seu destaque na mídia e em seus setores.
“O território do dinheiro, que está associado a acesso ao crédito, várias formas de capital e educação financeira, ainda é um desafio”, comenta.
O fato de oito em cada 10 empreendedoras brasileiras não terem sócios, trabalharem sozinhas, também ajuda a piorar a situação, seja porque não tem um parceiro para ajudar com as contas ou prover garantias para um financiamento, como também precisam assumir todas as responsabilidades operacionais e tomar as decisões sozinhas. Para algumas o fardo acaba ficando pesado demais e elas acabam desistindo e fechando as portas.
E a crise, que tende a dizimar os negócios que não tiverem caixa e crédito, as pegou em cheio. Metade dos negócios liderados por empreendedoras já sofreu impactos negativos desde o início da covid-19, como indica o estudo “As empreendedoras e o coronavírus - os negócios femininos no Brasil em meio à pandemia”, realizado pela Rede Mulher Empreendedora em parceria com o Instituto Locomotiva e divulgado pelo Valor Investe.
Com um ambiente ainda mais desafiador, muitas pessoas acreditam que conseguirá sobreviver quem inovar e quem tiver dinheiro para investir em tecnologia. Ana, Andrezza e Amanda desmentem isso.
“As pessoas confundem inovação com algo sofisticado, como se fosse uma ciência da Nasa. Mas não é algo tão distante. Quem faz cabelo, unha, maquiagem, por exemplo, também pode inovar”, diz Ana.
Para Andrezza, “inovação não é tecnologia e tecnologia não é só software e hardware. Automatizar é adaptar ao seu negócio e segmento a nova realidade e descobrir coisas que podem fazer por meio da tecnologia. Fazer Google Ads [companhas de marketing no Google] não é só para empresas grandes. Inovação é muito abrangente e tem mais coisas que as mulheres podem fazer que não sabem”, diz.
A boa notícia, segundo Amanda, é que cada vez mais as mulheres estão se unindo para ajudar umas as outras.
“Existem cada vez mais esforços de comunidades lideradas por mulheres para levar esses recursos a empreendedoras, como, por exemplo, financiamento e acesso à internet. Ou ainda por meio de mentorias de negócios”, diz.
As três empreendedoras elencam ainda quais habilidades e dicas são importantes para as mulheres que querem empreender. Veja:
É preciso gostar de resolver problema porque empreendedorismo é resolução de problema.
Tem que gostar de aprender sempre, aceitar críticas e revisitar os erros.
Não busque conhecimento apenas na escola e nos livros, você pode aprender algo importante com a pessoa ao lado.
A motivação principal não pode ser o dinheiro, senão pode dar errado.
Se autoconhecer e se entender porque a motivação pessoal tem altos e baixos. Se não estiver emocionalmente bem suportada, o impacto das oscilações é ainda maior.
Não precisa fazer um elaborado plano de negócio para começar a empreender; teste sua hipótese com o menor recurso possível, um “protótipo de MVP” (produto mínimo viável). Feito o MVP, tente vender o serviço ou produto para pessoas de fora da família para ver se realmente faz sentido e se as pessoas comprariam a ideia.
Entenda sua vocação e saiba trabalhar em rede, construir e fomentar redes, trabalhar em parceria. Isso tira a responsabilidade de você ter que saber tudo, precisa mesmo é saber a quem recorrer que sabe mais do que você naqueles assuntos.
“Parece papo de Vale do Silício, que é a mentalidade da escassez e abundância. Mas a verdade é que as barreiras geográficas se foram, dá para fazer tudo on-line e para se beneficiar disso você terá que saber trabalhar em rede”, diz a empreendedora.
Trabalhe habilidades de relacionamento para manter, desenvolver, melhorar seu relacionamento e os processos de trabalho.
Faça uma boa gestão da ansiedade. É natural que você se sinta preocupada, ansiosa vendo que tudo que tinha planejado no pré-pandemia se foi e que você pode ficar sem recursos para seguir em frente, e manter a saúde física e mental neste momento é fundamental.
Tenha disciplina. Ninguém consegue trabalhar com alguém que muda todo dia o plano. Dessa forma a empresa não chega a lugar nenhum.
Construa bons e sólidos processos. Dessa forma, sua equipe pode tomar decisões na sua ausência.
Se você não tem essas habilidades, procure alguém que tenha para ser sócio. Se você é criativa, ache uma pessoa pragmática; se é estratégica, encontre alguém mais “mão na massa”. Se não tiver habilidades na empresa pode ter um problema no longo prazo.
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